O Estabelecimento Empresarial e Suas Repercussões Práticas

 

1. O Código Civil de 2002 e a Regulamentação do Estabelecimento Empresarial

O Código Civil de 2002 trouxe um avanço importante ao definir e regulamentar o estabelecimento empresarial no Brasil. Antes disso, a legislação brasileira tratava o tema de forma indireta e incompleta. A novidade está nos artigos 1.142 a 1.149, que organizam o assunto e dão segurança jurídica para empresários que lidam com negócios envolvendo estabelecimentos, como vendas ou transferências.

O estabelecimento empresarial é a base para o funcionamento de qualquer atividade econômica. Ele não é apenas o local físico onde as operações acontecem, mas todo o conjunto de bens organizados para a exploração da empresa. Isso inclui tanto bens materiais, como máquinas e mercadorias, quanto bens intangíveis, como marcas e patentes.


2. O Que É o Estabelecimento Empresarial?

Ao contrário do que muitos pensam, o estabelecimento empresarial não é só o local onde a empresa funciona. Ele é um conjunto de bens organizados pelo empresário para desempenhar a atividade econômica. A definição está no artigo 1.142 do Código Civil:

“Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”

Por exemplo, em uma loja de roupas, o estabelecimento inclui:

  • As roupas no estoque (bens materiais);
  • A marca registrada da loja (bem intangível);
  • O ponto físico onde a loja funciona ou o site usado para vendas online.

Desde 2022, a legislação também reconhece estabelecimentos virtuais. Ou seja, empresas que operam exclusivamente online também têm o direito de registrar seus negócios com base no endereço do sócio ou do empresário individual.


3. Elementos do Estabelecimento Empresarial

O estabelecimento empresarial é composto por dois tipos de bens:

  1. Bens materiais: mercadorias, móveis, máquinas, veículos, imóveis, dinheiro e outros itens tangíveis.
  2. Bens intangíveis: marcas, patentes, nome empresarial, ponto comercial, domínio de site, direitos autorais, entre outros.

Porém, contratos, créditos e dívidas não fazem parte do estabelecimento. Eles pertencem ao patrimônio do empresário ou da sociedade e são tratados de forma separada.


4. O Valor do Estabelecimento (Aviamento e Clientela)

O valor de um estabelecimento não é apenas a soma dos seus bens. Existe um fator chamado aviamento, que representa a capacidade daquele conjunto de gerar lucro. O aviamento está diretamente ligado à clientela, ou seja, aos clientes habituais que compram produtos ou serviços da empresa.

Por exemplo:

  • Um restaurante bem localizado e com boa reputação terá um aviamento alto, pois atrai muitos clientes e gera lucro.
  • Já um restaurante com pouca clientela terá um aviamento baixo, mesmo que tenha o mesmo número de mesas e cadeiras.

O aviamento é um atributo do estabelecimento, mas não é algo que possa ser vendido separadamente. Além disso, a clientela não pertence ao empresário. Ela pode mudar com o tempo, dependendo de fatores como localização, qualidade do serviço e concorrência.


5. A Venda do Estabelecimento (Trespasse)

Quando um empresário decide vender seu estabelecimento, ele realiza um contrato chamado trespasse. Esse contrato envolve a transferência do conjunto de bens (materiais e intangíveis) para outro empresário. A Lei exige que essa venda seja registrada na Junta Comercial e publicada em veículo oficial para que tenha validade perante terceiros.

Além disso:

  • Proteção aos credores: O vendedor deve garantir que os credores do estabelecimento sejam pagos ou que aprovem a venda. Se isso não for feito, o negócio pode ser anulado.
  • Responsabilidade pelas dívidas: O comprador assume as dívidas registradas nos livros contábeis do vendedor, mas o vendedor continua responsável por elas de forma solidária por um ano.

6. Cláusula de Não-Restabelecimento

Para proteger o comprador, o Código Civil prevê que o vendedor de um estabelecimento não pode abrir um negócio concorrente por até 5 anos, a menos que haja uma autorização no contrato de trespasse. Essa regra evita que o antigo dono atraia os clientes de volta, prejudicando o novo proprietário.

Exemplo: Se um empresário vende uma padaria com bom movimento e, no mês seguinte, abre outra padaria na mesma rua, ele estará violando a regra, a menos que o contrato permita isso.


7. Contratos e Créditos no Trespasse

Trata-se de uma cessão de cotas ou de um trespasse?

Conforme o art. 1.147 do Código Civil de 2002, inspirado no art. 2.557 do Codice Civile, presume-se, no direito brasileiro, que em contratos de trespasse onde não há previsão específica sobre o restabelecimento, aplica-se automaticamente a cláusula de não restabelecimento por um período de 5 (cinco) anos. O dispositivo estabelece:

“Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência.”

Importante destacar que a legislação brasileira não fixa um limite máximo absoluto para a cláusula de não restabelecimento.

O prazo de 5 anos mencionado no artigo serve como padrão para situações em que o contrato de trespasse é omisso sobre a questão.

A venda de um estabelecimento também transfere automaticamente:

  • Os contratos feitos para a operação do negócio (ex.: contratos de locação, fornecimento de energia e matérias-primas), desde que não sejam pessoais.
  • Os créditos ligados ao estabelecimento, ou seja, os valores que clientes ou parceiros ainda devem pagar.

Os terceiros envolvidos podem pedir a rescisão de contratos em até 90 dias, caso tenham uma justificativa válida, como mudanças prejudiciais no acordo.


8. Sucessão Empresarial

A venda de uma sociedade empresária por cessão de cotas ou ações envolve a transferência da participação societária, ou seja, o novo adquirente assume os direitos e obrigações como sócio ou acionista, mas a sociedade em si continua sendo a titular dos bens, contratos e dívidas.

Já o trespasse, ou venda do estabelecimento empresarial, ocorre quando o empresário ou sociedade transfere apenas o conjunto de bens e operações (como mercadorias, equipamentos, ponto comercial e aviamento) para outro, sem alterar a titularidade da sociedade, que permanece existindo como uma entidade separada.

A venda de um estabelecimento também implica na chamada sucessão empresarial, que ocorre quando o comprador assume certas responsabilidades do vendedor:

  • Dívidas comuns: O comprador assume as dívidas registradas, mas o vendedor ainda responde solidariamente por elas durante um ano.
  • Dívidas trabalhistas e fiscais: Essas dívidas seguem regras específicas. Na maioria dos casos, o comprador é responsável por elas, mesmo que não estejam registradas.

Entretanto, na recuperação judicial ou falência, o adquirente de um estabelecimento pode não herdar essas dívidas. Essa proteção serve para atrair compradores e facilitar a venda de negócios em dificuldades.


9. Recomendações Práticas para Empresários

  1. Mantenha a escrituração em dia: Isso garante que as informações sobre o estabelecimento sejam confiáveis e evita problemas em negociações futuras.
  2. Faça uma análise detalhada (due diligence): Antes de comprar um estabelecimento, avalie cuidadosamente a situação financeira, contratos e passivos do negócio.
  3. Formalize tudo por escrito: Contratos de compra e venda, cláusulas de não-concorrência e transferências de contratos devem ser bem documentados e registrados.
  4. Consulte especialistas: Envolva advogados e contadores experientes para garantir a legalidade e segurança do negócio.

Conclusão

O estabelecimento empresarial é uma peça-chave no funcionamento e no sucesso de qualquer empresa. Sua regulamentação no Código Civil trouxe avanços importantes, mas exige que empresários estejam atentos às regras, especialmente em casos de compra, venda ou transferência de negócios. Seguindo as orientações legais e práticas, é possível minimizar riscos e maximizar os resultados de qualquer operação envolvendo estabelecimentos.

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